AMOR E ÓDIO

Marcos Pontes
22/10/2008

Todo relacionamento tende a falhar. Essa afirmação parece cruel, até mesmo falsa. Contudo, toda convivência a dois é humanamente forçada a compartilhar as águas e flutuar nas marés da sociedade que criamos. O modelo resultante da estrutura baseada em “dinheiro e poder” obriga uma batalha constante entre o ego e a essência humanos.
No meio do fogo cruzado dessa batalha, algumas vezes tranqüilo durante as eventuais tréguas, encontramos o assustado “relacionamento”.
O verdadeiro amor, sem qualquer ligação com nenhum dos interesses do ego, é o que chamamos no dia-a-dia de “utópico”. Praticamente impossível no nosso ambiente civilizado.
Na prática, o que interpretamos e chamamos de “amor” pode parecer até perfeito por algum tempo.
Sempre começa em uma grande paixão, porém, mais cedo ou mais tarde, se transformará em ondas, intensas ou não, de alegrias e prazer alternados por ciclos de discussões, conflitos de interesses (do ego), insatisfação, frustração, ataques emocionais e até violência. É como se todo aquele “amor” se transformasse, de uma hora para outra, em ódio. Mais ainda, um ódio na mesma intensidade do grande amor que há segundos transbordava.
Quando resolvidos, ou engolidos, os problemas do ego que geraram a transformação, vem a reconciliação, como em uma ação de acender e apagar uma lâmpada, aflorando novamente todo aquele sentimento de “amor”.
Com o passar do tempo, nos relacionamentos mais duráveis, essa oscilação estranha entre amor e ódio acaba tornando-se normal, até “saudável”, na interpretação “inteligente” da nossa mente, e nas condições da nossa sociedade do ego.
Será que isso é normal, realmente?
Alguns casais chegam a se tornar viciados nesse tipo de comportamento oscilatório. Isso, de alguma forma, faz com que se sintam mais “vivos”.
O problema é que a freqüência dos ciclos negativos tende a crescer com o tempo. Por quê?
Ocorre que, no retorno de cada ciclo negativo temos um tipo de “histerese”, que surge do acúmulo da dor emocional dos ciclos anteriores. Isto é, quando não resolvida totalmente (e nunca é nesses casos), a dor de um ciclo negativo do passado se transforma em raiva “sem sentido lógico no presente momento”. Assim, é preciso uma razão, um “motivo lógico” no presente para justificar a tentativa de descarga daquela tensão antiga, aquela raiva do passado, que no dia de hoje só faz sentido para a própria pessoa. Por essa razão, quanto mais ciclos negativos, maior a tendência de uma pessoa “explodir” por pequenas provocações do seu ego. Na verdade, não é exatamente o evento atual que “disparou” toda a reação, mas a sua interpretação contaminada e amplificada pelas dores acumuladas do passado, mesmo aquelas geradas completamente fora do relacionamento!
Assim, no final, todo relacionamento tende a falhar ou a criar um ego mutilado.
Nesse ponto, alguém poderia pensar: “E se eliminarmos essa oscilação?”
O problema é que essa oscilação é inerente a raiz do relacionamento. Isto é, o ciclo negativo sempre vai existir como uma resposta natural da existência do ciclo positivo. Ficou profundo, não ficou?
Na verdade os ciclos não são o verdadeiro problema, eles são apenas conseqüências. O verdadeiro problema é que a interpretação do sentimento de “amor”. Ele sempre surge em sua forma pura quando encontramos “aquela pessoa”, que nasceu em hora e lugar diferentes no mundo, mas foi feita exatamente da mesma “forma espiritual”, e “nos completa”. Contudo, a partir desse sentimento puro, a interpretação mental torna-se contaminada pelos interesses do ego “aperfeiçoado” pelas bases do comportamento social estruturado em dinheiro e poder.
Não é fácil essa constatação. Afinal, todos “querem” ser boas criaturas e viver a pura essência divina.
Porém, pare por um momento, afaste-se de você mesmo e reflita sobre as causas dos problemas de relacionamento que você já teve na vida. Pense também em todos os outros casos possíveis: ciúmes, sentimento de posse, controle, traição, acúmulo de mágoas, necessidade de “estar certo”, a conta bancária, insensibilidade com os seus sentimentos, desinteresse, distância, manipulação, necessidade de “descontar” em alguém, críticas, competição, julgamento, vingança, violência, etc. Note que, de uma forma ou de outra, todos eles sempre podem ser relacionados com a falta, ou o medo da falta, de dinheiro ou poder. Todos são relacionados com o ego.
Quando essas coisas acontecem, é comum vermos o ódio tomar o lugar do “amor”, pelo menos na “interpretação mental” desses sentimentos.
Isto é, como ambos são apenas interpretações, ou “criações”, da própria mente, um simples pensamento negativo, ampliado pela criatividade e pelas crenças irracionais do passado, pode transformar aquela pessoa maravilhosa, única, adorada, que você “não podia viver sem”, no alvo de toda a sua raiva, todo o seu ódio. Lógico que, uma pessoa sadia emocionalmente irá controlar todo esse sentimento. Essa é a situação normal. Mas, em alguns casos, pessoas desequilibradas levam esse sentimento às vias da violência, à tragédia. Fato triste, lamentável, terrível!
Seria real esse amor, criado pela mente para satisfazer o próprio ego, e que em um piscar de olhos se transforma em ódio? Seria isso o verdadeiro amor? Ou o verdadeiro significado de amar ficou esquecido, bem lá no fundo da essência humana, coberto por inúmeras exigências do ego que nunca se satisfaz?
O verdadeiro amor não duvida, não cobra, não fere, não mata!
Você já sentiu, completa e honestamente, esse amor?

Marcos Pontes
Colunista, professor e primeiro astronauta profissional lusófono a orbitar o planeta, de família humilde, começou como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP), para se tornar oficial aviador da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA).
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